28 de maio de 2015

Cidade Em Chamas


"Bring your daughter, bring your daughter
to the slaughter... let her go, let her go, 
let her go!"

De ontem pra hoje as rodas de conversa têm exigido dos interlocutores um mínimo de palavra sobre o acontecimento chocante da vez: cinco rapazes violentaram (espero ter feito a escolha lexical mais objetiva, para não cair na listagem de ações por eles feitas a fim de dar uma ideia do que houve) quatro meninas na cidade de Castelo do Piauí, estado do Piauí.

Das moças, futuras mulheres, não interessa a idade: a dor é a mesma... incalculável! Dos responsáveis pelo crime (resguardar-me-ei doravante ao direito de classificá-los ou não como humanos), só um tem mais do que 18 anos, todos os outros são menores de idade. Importa suas idades na medida em que podemos vislumbrar o que há de acontecer.

O que se sucederá é o mais do mesmo: fogueira aos menores!; até quando isso vai acontecer?!; país sem lei!; seria melhor deixar o povo, revoltado, fazer a própria justiça!; vão ficar só algum tempo detidos numa tentativa sempre frustrada de ressocialização e logo estarão livres para fazer tudo outra vez!; pena de morte!; prisão perpétua!...

Eu sei que eles têm razão... mas a razão é só o que eles têm.

Já defendi em outra ocasião a não redução da maioridade penal. Não mudei de ideia (ainda). E estou tão revoltado quanto qualquer outro com essa situação – e todos nós não fazemos ideia da dor pela qual passam as famílias das garotas... muito menos a dor delas próprias.

Outros ainda serão aqueles que esbravejarão: mas o que essas meninas queriam naquele lugar tão ermo sozinhas?!; quem procura acha!; se tivessem em casa estudando, não teria acontecido nada disso!... (não ouso continuar).

Eu sei que eles têm razão... mas a razão é só o que eles têm.

As palavras faltam, as revoltas sobram, os motivos valem para ambos os lados, e sempre tem gente que se coloca de um lado ou outro. Sempre aparece um advogado que, na busca por status e reconhecimento no meio jurídico – acreditem, ser responsável por uma vitória no tribunal diante de tantos fatos contra os criminosos é merecedor de aplausos para muitos, respalda a habilidade de tal magistrado -, há de defender os autores do incaracterizável crime. Como eu disse, sempre aparece UM advogado. Não são todos.

E, de modo geral, no país em que político é celebridade e artista é marginal, continuamos sem nos questionar sobre fatos que realmente importam. Continuamos preferindo discutir a vulgarização da imagem feminina e a redução da maioridade penal, como se fossem só esses os problemas. Continuamos sendo excelentes analistas, com respostas certeiras a perguntas de sim ou de não, dubitáveis, induzíveis. Continuamos incertos e pávidos sem saber se é justo trazer ao mundo crianças para viverem essa guerra que nunca termina. Viver tem sido sacrifício, mesmo tendo sido tantos os que se sacrificaram por nós.

Questiono-me sobre os sonhos das garotas, sobre o que as divertia, sobre o que as emocionava, sobre o que as fazia felizes... Não importa o que eram, jamais serão os mesmos!

Questiono-me sobre os autores da monstruosidade... será se tinham sonhos?!

Duro nó na garganta que não afrouxa.

Que as chamas venham, pois elas devem ser mais belas que isso aqui.

18 de maio de 2015

Perdendo A Pé


"Por amor às causas perdidas..."

Por esses dias algumas notícias, no mínimo, abismais: na esteira dos tantos incontestavelmente incontáveis e praticamente infinitos casos de violência, três conhecidos meus foram presos, apontados como os principais envolvidos em ocorrências diferentes de sujeira, corrupção, tristes revelações da natureza humana.

O primeiro deles, conhecido dos tempos de escola, foi preso em flagrante com um comparsa, acusado de roubo de carro. Ao que tudo indica, fazia parte de uma quadrilha – como já de praxe no nosso Brasil, um ou dois presos não são nem um punhado de gelo do iceberg – especializada (quiçá com mestrado e doutorado) no mau-ofício de roubo de carro. Perdi um pouco da minha pouca fé ao ver a foto nos ciberjornais.

O segundo, conhecido de infância do futebol na quadra da creche, foi preso com mais dois companheiros após um arrastão por eles promovido numa lanchonete de um bairro nobre daqui. Irreconhecível a ponto de engendrar em mim a dúvida de que realmente fosse ele, teve sua foto rapidamente compartilhada entre os contatos... Perdi mais um pouco da minha pouca fé ao ver a foto nas ciber-rodas de amigos.

O terceiro e último, conhecido um tanto quanto mais distante (mas não menos conhecido), foi preso acusado de participar de um esquema voluptuoso de violação de direitos autorais. Lembrava aqui e acolá das visitas que ele fazia a minha tia, tinha um sorriso cativante, caridoso, em nada questionável. Mas o que é sorriso quando às vezes os mais tristes são os que mais riem – como naquela história do palhaço que apontava a todos o sentido da vida por meio da alegria, mas não conseguia encontrar o sentido para sua própria? Perdi ainda mais um pouco da minha pouca fé ao ver a história nas ciberesquinas.

Já até escrevi neste mesmo singular solitário espaço que eu continuo acreditando naquele que não foge à luta. Não perdi toda a minha pouca fé. Continuo firme na certeza que, mesmo em números raros e escassos, ainda existem os apaixonados pela Dulcinea del Tomboso e que continuam firmes na fé de que outros semelhantes a eles existem. Hoje temos todos os porquês do mundo para desistir de nossa fé na humanidade, mas, assim como pode ser que seja (não sei...) da natureza humana a corrupção, é também de nossa espécie a teimosia e a obstinação, a insistência e a garra, não por um objetivo impalpável e invisível, mas pelo sorriso... aquele que é tudo, aquele que pode existir em todos, verdadeiro, profundo, feliz.